Hemácias Laboratoriais para Transfusões de Sangue

A produção de hemácias laboratoriais é feita através de cultura de células tronco hematopoiéticas em recipientes similares aos usados em bolsas de sangue. As primeiras produções dessas células ocorreram no início dos anos 2.000, mas dificuldades técnicas desmotivaram os pesquisadores a utiliza-las em transfusões e assim seu uso ficou restrito a experimentos científicos.

Recentemente, após quatro anos de experimentos, um grupo de pesquisadores do sangue, liderado pelo Dr. Cedric Ghevaert do MRC-Cambridge Stem Cell Institute, Universidade de Cambridge, Inglaterra, conseguiu produzir hemácias e plaquetas a partir de células-tronco em laboratório destinadas a revolucionar a medicina transfusional. Especificamente para hemácias, eles mostraram que é possível usa-las de forma racional e personalizada para pessoas que dependem de transfusões periódicas dessas células para sobreviverem, como são os casos de doentes com anemia falciforme e talassemia beta maior. Atualmente pessoas com essas doenças recebem concentrados de hemácias provenientes de sangue doado e compatíveis com seus grupos sanguíneos maiores - os sistemas ABO e RH, no entanto as hemácias recebidas nem sempre são compatíveis com os grupos sanguíneos menores, principalmente os sistemas Kell, Duffy e Kidd. Essa é uma das razões pelas quais transfusões periódicas desencadeiam reações imunes advindas de incompatibilidades desses grupos sanguíneos menores, com hemólises discretas por destruição precoce das hemácias recebidas. Pelo fato das hemólises ocorrerem de forma cumulativas ao longo do tempo, elas despejam muita quantidade de ferro advinda das hemácias hemolisadas e causam hemocromatose. Por outro lado, as deposições de ferro em órgãos como fígado, pâncreas e pele, causam hemossiderose.

Essas intercorrências fisiopatológicas motivaram os cientistas ingleses a pesquisarem a produção de hemácias laboratoriais personalizadas para receptores dependentes de transfusões periódicas, imaginando a possibilidade deles viverem melhor e por mais tempo.

O teste piloto desta pesquisa foi realizado em novembro de 2022 em duas pessoas saudáveis e voluntárias que receberam hemácias cultivadas em laboratório, e os resultados foram animadores pois elas não tiveram nenhum efeito colateral clinicamente significativo.

O desenvolvimento técnico da pesquisa está projetado par ser feito com células tronco coletadas de doadores voluntários e selecionadas pelo serviço nacional de doadores de órgãos do Reino Unido. Cada receptor, recrutado entre voluntários saudáveis, receberá inicialmente minitransfusão de 10 ml de concentrados de hemácias obtidos de doadores de sangue, e quatro meses depois receberá outra minitransfusão com 10 ml de hemácias cultivadas em laboratório a partir de células tronco do doador que tenham compatibilidades aos seus sistemas sanguíneos maiores (ABO e Rh) e sistemas sanguíneos menores (Kell, Duffy e Kidd). Nos quatro meses iniciais, contados a partir do recebimento da minitransfusão de concentrado de hemácias coletadas de doadores, e nos quatro meses sequentes após a minitransfusão de hemácias laboratoriais, os receptores serão avaliados por meio de parâmetros clínicos e laboratoriais que determinam o tempo de sobrevida das hemácias transfundidas, a produção de anticorpos e a concentração de ferritina sérica, entre outros testes. A partir dessas avaliações será determinada a quantidade ideal de hemácias laboratoriais transfundidas para cada receptor, bem como o intervalo entre transfusões.

O destaque desta pesquisa é que as hemácias produzidas em laboratório obtidas de um doador específico para receptor também específico, funcionarão como um repositório celular disponível no banco de sangue, que poderá ser usado sempre que o receptor necessitar de reposição de hemácias.

A vantagem desse procedimento em relação à forma tradicional de transfusão de concentrado de hemácias obtidas de doadores, é que as hemácias cultivadas em laboratório possuem tempo de vida mensuráveis, enquanto que as hemácias doadas têm tempo de vida variável, muitas das quais são “velhas” e próximas de seu tempo de morte natural. Dessa forma, espera-se que as hemácias laboratoriais vivem por mais tempo no sangue do receptor, com menos efeitos colaterais, maior espaçamento entre transfusões, e melhoria na qualidade de vida.

 

fonte: https://www.ciencianews.com.br/wp-content/uploads/2023/01/Transfuso%CC%83es-com-eritro%CC%81citos-de-laborato%CC%81rios.pdf