Imunologia do Câncer
(com apresentação de Photo-Motion)
Prof. Dr. Paulo Cesar Naoum
Gênese do câncer
A célula cancerosa é originada de uma célula normal
que foi induzida a mudar suas características naturais relacionadas
à sua vida celular. Entre essas características destacam-se:
a) descontrole da reprodução celular, ou seja, num determinado
tempo do seu período vital a célula produz o dobro ou
o triplo de células; b) após o ciclo normal de vida, a
célula morre naturalmente por desgaste metabólico do DNA
e organelas num processo conhecido por apoptose, enquanto que na célula
cancerosa esse ciclo de vida se prolonga por muito tempo. As conseqüências
desses dois processos, geralmente de ocorrência individualizada,
se devem ao acúmulo de células anormais que iniciam a
formação do tumor.
Vários eventos biológicos induzem uma célula normal
se tornar cancerosa, dos quais três causas são bem conhecidas:
1) infecção por vírus específicos que desarranjam
o controle genético da célula por interferência
no DNA; 2) indução por agentes físicos (raio X
e outras radiações) ou agentes químicos (ex.: HO·
ou radical hidroxil) que promovem a quebra cromossômica e induz
a atividade de oncogenes; 3)mutações espontâneas
(fresh mutation) que provocam quebras cromossômicas com trocas
(ou translocações) dos pedaços desses cromossomos,
deleção de bases nitrogenadas do DNA, ou mutação
de bases nitrogenadas. Todas essas alterações apresentadas
são capazes de induzir a atividade de oncogenes.
Após a célula ter sido transformada geneticamente, a sua
capacidade de se viabilizar em célula cancerosa é muito
pequena, pois depende da mesma “ser aceita” no ambiente
celular ou tecidual em que ela está inserida. Na grande maioria
das vezes essas células não são aceitas e essa
não aceitação decorre por meio de três mecanismos
biológicos: 1) a células cancerosa recém-formada
é eliminada pela sua inviabilidade naquele ambiente celular;
2) a célula cancerosa consegue se reproduzir no tecido, porém
em disputa com as outras células normais, as células cancerosas
recém-formadas não recebem nutrientes por falta de vascularização
– processo importante para torna-las viáveis; essa falta
de vascularização é uma reação natural
do tecido em que as células cancerosas estão instaladas;
3) o aparecimento de célula(s) cancerosa(s) desencadeia forte
reação imunológica contra sua(s) presença(s),
efetuada por linfócitos T-CD8 (células citotóxicas)
ou células NK.

Linfócitos T-CD8 (azul) atacando uma
célula tumoral (amarela) |
Por todas essas razões o aparecimento de células cancerosas
se torna extremamente limitado. Assim, a viabilização
da célula cancerosa a faz “vencedora” após
superar todos os obstáculos apresentados até aqui. Quando
a célula cancerosa se impõe num tecido, ela forma o tumor
primário fixo, algumas vezes sentido pela apalpação,
ou detectados por diagnósticos de imagens (radiografias, ultrassom,
tomografias, etc.), ou percebidos por meio de marcadores tumorais (ex.:
PSA-antígeno específico prostático, etc.). Na fase
do tumor primário, precocemente identificado, é possível
a sua remoção cirúrgica ou terapêutica (quimioterapia
e radioterapia, principalmente). Porém, em expressivo número
de situações o tumor primário cresce, atrai a vascularização
para sua atividade metabólica,

Formação do tumor primário
geralmente próximo a algum vaso sanguíneo.
Início da vascularização
para alimentar as células tumorais.
Vascularização que permite
as células tumorais serem alimentadas
e o seu deslocamento para outros tecidos. |
fato que permite o deslocamento vascular das células cancerosas
para outros tecidos, cujo processo é conhecido por metástase.
Essa fase, geralmente caracterizada por descontroles metabólicos
dos tecidos invadidos, é muitas vezes prejudicada pela dificuldade
da reação imunológica do organismo devido aos múltiplos
efeitos inflamatórios causados pelas células tumorais.
Esses focos inflamatórios enfraquecem a reação
imunológica tornando o organismo cada vez mais susceptível
à invasão das células tumorais.
A Imunologia do Câncer
Nos últimos 15 anos a imunidade inata passou a ser muito conhecida
especialmente devido ao desenvolvimento da imunologia, em grande parte
impulsionada pela infecção causada pelo vírus HIV.
A inflamação, marca característica do processo
imunológico reacional, tem ganhado reconhecimento como um contribuidor
subjacente para as doenças crônicas que incluem diabetes,
depressão, doença de Crohn e doença cardíaca.
Recentemente os pesquisadores obtiveram indícios da conexão
entre inflamação e câncer, transformando completamente
o entendimento do câncer. Como se sabe, o câncer começa
com uma série de mudanças genéticas induzidas por
vários fatores: vírus, drogas, radiações,
etc, que atacam um ou mais grupos de células, tornando-as com
excessiva capacidade de reprodução e, assim, invadem tecidos
vizinhos, onde tem início a malignidade. Um exemplo da biologia
do câncer, por indução viral, ocorre na leucemia
e linfoma das células T do adulto.
Eventualmente alguns tumores celulares podem se deslizar da matriz ou
local de origem e dar início a novos tumores celulares em outros
tecidos distantes.

Invasão de células tumorais
(vermelho) no tecido hepático. As células tumorais
chegam por meio de vasos sanguíneos do tecido hepático
e se acomodam, dando início à progressão tumoral. |
Estudos imunológicos têm revelado que a progressão
da doença tecidual para a forma invasiva do câncer requer
células que participam normalmente de processos de cicatrização
e outras atividades funcionais para serem desviadas para o local onde
se está iniciando a formação de tecido pré-maligno;
essas células são “seqüestradas” nesse
ambiente “pré-maligno” para se tornarem cúmplices
na carcinogênese. Assim, compreende-se que um tumor não
é somente um conjunto de células aberrantes, mas é
dependente também de vários fatores como o micro ambiente
tumoral que abrange células do tecido imunológico e sinais
químicos que cruzam uma extensa rede de vasos sanguíneos.
Esse novo ponto de vista de compreender o câncer implica que a
erradicação até a última célula cancerosa
se torna necessária.
Um outro fato importante na imunologia dos tumores se refere ao TNF
(Fator de necrose tumoral), descoberto no final da década de
90, em que esta citocina quando administrada diretamente no tumor induzia
a morte das células cancerosas. Entretanto, pesquisas recentes
demonstraram que quando a presença do TNF se tornasse crônica
no tumor, sua ação era ao contrário do que se previa.
A explicação é de que o gene produtor do TNF se
desligava e dessa forma não se produzia mais TNF (afinal havia
alguma concentração no tumor) e por essa razão
o tumor não se contraía ou retraía. Essas pesquisas
foram realizadas em camundongos. Recentemente o TNF tem sido relacionado
como um sinalizador de processos proinflamatórios com tendência
prémaligna. Esse fato se torna evidente em algumas situações
já bem conhecidas entre a relação “inflamação
e câncer” em dois exemplos típicos:
a) a infecção com a bactéria Helicobacter pylori
induz a um tipo de inflamação que aumenta as chances da
pessoa desenvolver o câncer gástrico.
b) a infecção com o vírus da hepatite C também
induz a inflamação no fígado com grande risco de
causar câncer hepático.
Por tudo o que se pode ler até o presente, presume-se que um
determinado tumor pode “armar uma cilada” contra o sistema
imune com o objetivo de dar continuidade à sua sobrevivência
e ao seu crescimento. Os anticorpos e as células TCD8 do sistema
imune adaptativo podem, às vezes, atacar e destruir as células
cancerosas.

Linfócitos T-CD8 (azul) atacando uma
célula tumoral (amarela) |
A indústria farmacêutica e os pesquisadores têm procurado
obter novas terapias para também “armar uma cilada”
contra as células cancerosas. Entre essas novas terapias feitas
com drogas biotecnológicas destacam-se os anticorpos
monoclonais – anticorpos idênticos que são
capazes de atacar antígenos de células cancerosas. Os
anticorpos monoclonais são classificados de imunoterapia
passiva porque são produzidos em cultura de células
ou em cobaias e depois injetadas diretamente no paciente. Esse processo
induzido laboratorialmente é mais rápido e eficiente em
relação à reação imunológica
em que o próprio paciente produz o seu anticorpo contra os antígenos
das células cancerosas. Em contraste, as vacinas contra câncer
– que até agora tem mostrado resultados frustrantes –
são classificados como imunoterapia ativa. Nesse
caso o paciente recebe a injeção de um antígeno,
geralmente extraído das células cancerosas, para induzir
a reação do seu próprio sistema imunológico.
Os antígenos do câncer são mais difíceis
para serem identificados daqueles existentes em patógenos (ex.:
vírus, bactérias) pois as células cancerosas são
formas mutantes das próprias células da pessoa
afetada pelo câncer. Assim, o sistema imune adaptativo nem sempre
as vê como células estranhas e o tumor pode enganar o organismo,
induzindo-o a desligar a resposta imunológica. Nesse novo contexto
de entendimento da progressão do câncer, situam-se novas
perspectivas, agora de base imunológica, para inibir a ação
das células malignas.
Novas perspectivas para combater as células cancerosas
A produção de vacina contra o câncer tem sido o
desejo de todos aqueles que lidam com esse grave problema. Nesse contexto
se juntam pesquisadores das áreas imunológica, citológica,
cito-patológica, genética, ambiental, farmacológica,
epidemiológica, bioquímica, fisio-química e informática.
As indústrias farmacêuticas também entram nessa
acirrada luta para obter vacinas específicas contra os mais diversos
tipos de câncer. Entretanto, tudo indica que o câncer tem
um desenvolvimento quase personalizado para cada pessoa, pois o seu
desenvolvimento depende da fragilidade da reação biológica,
quer seja:
a) predisposição biológica, ambiental ou comportamental;
b) imunidade;
c) equilíbrio psíquico-biológico;
d) atendimento médico adequado.
Por todas essas razões a produção de vacina contra
o câncer é algo que deverá obedecer um critério
personalizado, em detrimento da vacinação tradicional
– ou pluripessoal. Dentre as propostas que podem resultar em sucesso
se destaca aquela em que se inicia pela extração do tumor
ou das células cancerosas e, a partir daí, estimular ações
imunológicas contra elas. Essas ações incluem:
a) extração de milhares de macrófagos e células
dendríticas do paciente com as células cancerosas;
b) a retirada de antígeno das células cancerosas e sua
inserção nos macrófagos e células dendríticas
que foram isoladas (todo esse processo se faz em meio de cultura apropriado);
c) aguardar que os milhares de macrófagos e células dendríticas
se ativam e passam a produzir interleucinas e citocinas capazes de estimular
o sistema imunológico adaptativo do paciente (linfócitos
T-CD4 e T-CD8, e linfócitos B);
d) injeção desses macrófagos e células dendríticas
ativadas como células apresentadoras de antígenos no organismo
do paciente;
e) finalmente esperar o bloqueio e as atividades das células
cancerosas. O esquema abaixo, resume a produção de “vacina
personalizada”.
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Referências
- Contran, R.S.; Kumar, V.; Collins, T. Pathologic Basis of
disease.W.B. Saundens Co. Philadelfia, USA, 2001.
- Stix, G. A malignant flame. Scientific American,
297:42-49, 2007.